Confira crítica de Mato seco em chamas, filmado em Ceilândia
Filme de Adirley Queirós e Joana Pimenta, Mato seco em chamas, trata de uma arrancada no poder e na força do feminino
A cada mudança de cenário político, é quase uma diversão perceber a alteração de sentido numa produção filmada ao longo de um ano e meio, na Ceilândia, pelos codiretores Adirley Queirós (Branco sai, preto fica e Era uma vez, Brasília) e Joana Pimenta. Recentemente, repovoada por inacreditável parcela terrorista feminina, a Colmeia está a todo momento no imaginário (e na memória) das irmãs Chitara e Léa, respectivamente, as premiadas atrizes Joana Darc e Léa Alves, que sondam uma reaproximação. De posse de um oleoduto, que gera a virtual riqueza do petróleo, as irmãs deitam e rolam numa posição de comando e numa área convulsiva.
Ideias fixas de achacar regiões empobrecidas e propostas de silenciamento não passarão, no que depender do cinema de Pimenta e Queirós. Sem acomodar o espectador, a dupla investe em fissuras entre brasileiros, num plano misto de ficção e documentário, e dentro de um país rico em armamentos. Com a instituição e voz de comando das chamadas Gasolineiras das Kebradas, protagonistas da fita, se entende o poder de força do povo (outrora massacrado), em instâncias variadas. Constituído pelo vigor das antigas moradoras do Morro do Urubu, o setor habitacional Sol Nascente desponta e aposta na legitimidade de mulheres, antes relegadas a postos fora do mapa, dado etarismo e modelos instituídos. Canta grosso, a rede humana unida, com mais voz do que a de alguns militares vistos no filme. Subverter a ordem com o poder feminista é um dos grandes acertos vistos no longa.
Sem disfarçar limitações, o cinema da dupla abraça um visual cru — como nas cenas do corpo a corpo da candidata à deputada vivida por Andreia Vieira ou mesmo nas engenhocas bélicas vistas em cena. Ainda que pese a escolha por longas sequências (algumas, extenuantes), Mato seco em chamas investe em repensar ângulos da criminalidade — o que é um achado. O filme, por sinal, tem por mérito justo isso: revalidar (e rearranjar) um olhar sobre as riquezas da Ceilândia e valorizar o que seja, de fato, popular e honesto. O filme inaugura uma programação de estreias nacionais no Cine Brasília, e também está em cartaz no Cine Itaú.
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